Segundo parecer da Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente, os animais estão em campos úmidos importantes para o território, já que fornecem água para grandes comunidades kalungas. O relatório da fiscalização, que foi ao local no último domingo (12/4), constatou que os búfalos estão em área de alta vulnerabilidade, com presença de muitas veredas e nascentes.
Roberto Naborfazan
Está tomando rumos judiciais o embate entre um fazendeiro e a comunidade Kalunga do Engenho II, em Cavalcante, município da região nordeste de Goiás que integra a Chapada dos Veadeiros.
Segundo informações da Associação Quilombo Kalunga (AQK), a comunidade kalunga do Engenho II decidiu na sexta-feira (09/04), coletivamente, impedir a entrada de um rebanho de 21 búfalos no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK).
No dia 08, informam, 30 animais foram levados para a fazenda Choco, que fica no interior do SHPCK. Conforme o regimento interno da Associação Quilombo Kalunga, que estabelece as regras de uso das terras do quilombo, é proibida a criação de búfalos no território Kalunga.
A estimativa é de que cerca de 100 pessoas que vivem e produzem nas comunidades do Choco, Buriti e Forno podem ser prejudicadas caso os animais ocupem a fazenda.
Os búfalos representam risco para o Cerrado: destroem nascentes e beiras de córregos, derrubam as cercas que protegem as roças e comem as plantações e até os telhados de palha das casas típicas da população kalunga.
O proprietário da Fazenda Choco, Marcos Rodrigues da Cunha, conhecido na região como Marcos Búfalo, nunca morou na terra, sempre administrada por terceiros. Ele havia retirado seus animais do território em 1999 e aguardava a indenização por sua fazenda, uma das primeiras vistoriadas para desapropriação, mas que ainda não foi indenizada.
A demora para a titulação do território já demarcado aumenta a vulnerabilidade dos Kalunga frente aos fazendeiros e invasores. A atual política do presidente Jair Bolsonaro de não regularizar nenhum imóvel para quilombolas, indígenas e sem terras agrava a situação e dá margem para ações contundentes por parte dos fazendeiros.
Líderes comunitários tentaram dialogar com o Marcos Rodrigues por telefone em busca de um consenso, mas o fazendeiro não quis negociar.
Animais colocados em pasto temporário
Enquanto a comunidade decidia o que fazer, o funcionário de Marcos Búfalo, conhecido como Valdo, responsável por levar os animais até a fazenda Choco, informou que os animais haviam sido descarregados na estrada (GO-241) e estavam sem comida ou água, presos em um curral.
A comunidade kalunga conseguiu um pasto emprestado para levar os búfalos por três dias, enquanto buscava uma solução para a situação. Os animais entraram no pasto no fim da tarde.
A Associação Quilombo Kalunga, criada para defender os interesses das famílias Kalunga em todas as instâncias legais e administrativas, enviou um ofício ao Secretário de Municipal de Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo Batista Neves, pedindo apoio e providências.
LEIA NA ÍNTEGRA O Ofício enviado à Secretaria de Meio Ambiente de Cavalcante.
Notificado, fazendeiro diz que não cumprirá ordem do município.
Atendendo a denúncia ambiental feita pela Associação Quilombo Kalunga (AQK), a Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente realizou uma fiscalização no local em que houve a entrada de búfalos no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK) e produziu um relatório em que confirma a proibição da criação desses animais na área.
LEIA O RELATÓRIO NA ÍNTEGRA Relatório da Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente
O Secretário Municipal de Turismo e Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo Batista Neves, também emitiu uma notificação de 48 horas para que o fazendeiro Marcos Rodrigues da Cunha, o Marcos Búfalo, retire os animais que foram levados para a área na última semana. Trinta búfalos entraram no território kalunga e 21 foram barrados pela comunidade, que colocou a manada em um pasto temporário.
LEIA A NOTIFICAÇÃO NA ÍNTEGRA Notificação para retirada de búfalos
A equipe da Associação Quilombo Kalunga (AQK) esteve no local e fez registros fotográficos e de vídeos, inclusive imagens aéreas com o drone, e foi constatado que os búfalos se encontram em uma área de alta vulnerabilidade, com muitas veredas, nascentes e campos úmidos importantes para o abastecimento de água das comunidades kalunga Vão de Almas e Vão do Moleque, onde vivem centenas de pessoas. Observou-se também que os búfalos foram colocados em local sem cercamento e o proprietário não tem a devida licença ambiental para a criação dos animais.
Notificado pela prefeitura para retirar os animais até esta quinta-feira (15/4), o fazendeiro Marcos Rodrigues da Cunha disse que vai desconsiderar a ordem do município, contrariando regimento interno dos quilombolas, que proíbe a criação dos animais no território.
Segundo reportagem do Jornal Metrópoles desta quinta-feira, 15, Marcos Rodrigues da Cunha, conhecido como Marcos Búfalo, afirmou ao portal que cria os animais apenas em Goiás e que não vai cumprir a determinação do município.
“Eles [búfalos] aguentam melhor o campo do que os bovinos e dão leite e carne. Vou provar para eles [da prefeitura] que não têm esse direito porque minha terra não faz parte de [território] kalunga”, afirmou, antes de chamar o repórter do Metrópoles de “abelhudo” por divulgar o caso.
Alvo de desapropriação
Como já foi citado pela Associação Quilombo Kalunga (AQK), o imóvel de Marcos Búfalo, a Fazenda Choco, fica dentro do território kalunga, mas está na lista das áreas a serem desapropriadas, desde que foi feita a demarcação do sítio histórico dos quilombolas.
Os animais estão em campos úmidos importantes para o território, já que fornecem água para grandes comunidades kalungas. A Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente constatou que os búfalos estão em área de alta vulnerabilidade, com presença de muitas veredas e nascentes.
A área, de acordo com a secretaria, também tem nascentes de rios que formam cachoeiras e são atrativos turísticos que ajudam a movimentar a economia da região.
“Os búfalos estão sendo criados soltos no território, sem qualquer tipo de cerca, e não respeitam limites de divisas”, diz um trecho do relatório da secretaria do município Cavalcante, Rodrigo Batista Neves.
De acordo com a prefeitura, a atividade está sendo desenvolvida sem a licença ambiental dos órgãos competentes e, por isso, está em situação irregular.
No dia da visita, segundo a prefeitura, um dos búfalos que estavam no cercado escapou, e os kalungas resgataram o animal depois de 10 quilômetros.
A reportagem do Metrópoles não localizou o contato do advogado do fazendeiro, Luciano Bittencourt, citado no relatório.