Com sua morte em outubro de 2020, boatos de que Peter Midkiff havia sofrido maus tratos levou sofrimento e dor à família. Depoimentos de profissionais que o assistiram e relatórios médicos apresentados a Polícia Civil descartam a tese.
Roberto Naborfazan
Seis meses após a morte de Peter Christopher Midkiff, que por vários anos foi uma referência na luta pela preservação do meio ambiente na região da Chapada dos Veadeiros, sentimentos de dores e angústias ainda restam em seus amigos e familiares, devido a boatos maldosos, difundidos em redes sociais, não se sabe com que intuito, por pessoas que se diziam amigas do ambientalista.
Em um trabalho minucioso na verificação de documentos e relatos, a reportagem do Jornal O VETOR buscou dar a luz a verdade, no intuito de esclarecer amigos, parentes e a sociedade como um todo sobre a doença e morte de um homem que, com suas qualidades e defeitos, buscou viver em harmonia com a natureza, colocando sua preservação como meta de luta e vida.
Nascido Pedro Cristovão Midkiff, no hospital inglês de Vila Isabel, em Lisboa, Portugal, filho de pai norte americano, o primeiro secretário da embaixada dos Estados Unidos em Portugal, Harold Mercer Midkiff, e da Paquistanesa Sheila Marjorie Midkiff (do Lar), que também eram pastores presbiterianos, Peter Christopher Midkiff realizou seu sonho de se naturalizar brasileiro quando recebeu seu certificado de naturalização pelo Ministério da Justiça, em 17 de março de 1998, tendo o processo sido concluído na comarca de Alto Paraíso de Goiás, município que adotou como seu lar a partir do inicio dos anos 1980, em 22 de abril do mesmo ano.
Peter Midkiff foi um dos pioneiros na luta pela proteção do meio ambiente na região da Chapada dos Veadeiros, ao lado de guerreiros como o saudoso Eduardo Estellita (Dada) e tantos outros, combatendo crimes ambientais e enfrentando destemidamente os poderosos que pretendiam fazer evoluir projetos degradantes na região.
Foi um dos homens de frente na batalha contra a instalação de PCHs na bacia do Rio Tocantinzinho, se posicionando com firmeza em todas as oportunidades em que lhe foi permitido falar “A Chapada é um dos principais polos de conservação do Cerrado no país, com potencial turístico e outras possibilidades de desenvolvimento praticamente inexploradas. Não podemos gerar energia para ser vendida e ficar com os impactos.”, se posicionou contra as PCHs.
Defensor da instalação de parques eólicos na região, Peter dizia que não falta energia em Goiás, mas falta distribuição, e apontou na época que 60% da energia produzida no estado era exportada “Uma estação para rebaixar a energia da usina de Serra da Mesa resolveria o problema regional. As PCHs podem apenas alimentar a demanda mineraria reprimida. Que turista virá para cá com nuvens de poluição lançadas por siderúrgicas?” questionou durante uma audiência pública.
Outra, das várias lutas de Peter Midkiff no campo ambientalista foi a não instalação, na maneira como foi apresentada, da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em Alto Paraíso de Goiás. Segundo apontou na época, existiam enormes falhas no projeto, que após concluído, iria contaminar as águas do Rio São Bartolomeu, degradando toda sua extensão e prejudicando a população ribeirinha. O projeto foi paralisado e até hoje não se chegou a um acordo para instalar, de forma ecologicamente correta, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), tão importante para a saúde da população em qualquer município.
Polêmico, mas respeitado pela comunidade, Peter Christopher Midkiff recebeu do Ministério Público estadual o Diploma de Mérito Cidadão, por suas iniciativas operadas em prol da Cidadania, no ano 2000. E, em 2005, a Câmara de vereadores lhe concedeu o titulo de Cidadão Alto-Paraísense.
Peter Midkiff se preocupava também com a educação das crianças moradoras nos distritos do município. Por um bom período fez o percurso entre Alto Paraíso de Goiás e o povoado do Moinho, para ministrar aulas de língua inglesa para as crianças daquela comunidade. O professor Peter era muito respeitado e querido pelos alunos.
Sua luta e seus conhecimentos o levaram a assumir o cargo de secretário de meio ambiente do município em 2009, no governo do falecido ex-prefeito Divaldo William Rinco.
Peter Midkiff inspirou uma geração na mobilização pelas causas em defesa da natureza. Mente iluminada, ele projetou e construiu de forma ecologicamente correta sua moradia, publicando em seguida um livro, onde de forma didática, faz o passo a passo da construção, servindo de tutorial para quem tivesse interesse em fazer o mesmo. O livro traz também, em seu conteúdo, técnicas de como viver com o muito que a natureza oferece.
Doença e morte
Diagnosticado com Alzheimer, Peter Midkiff passou a ter uma vida mais reclusa, tendo mais tarde a necessidade de ter alguém para o auxiliar em seu cotidiano.
Com o agravamento de seu estado de saúde, acelerando o Alzheimer, gerando quadro de demência, e a tuberculose se insinuando, além de uma cuidadora, Peter passou a ter também acompanhamento médico, através do Programa Saúde da Família (PSF) do município.
Segundo levantamento feito pela reportagem do Jornal O VETOR, com o passar de aproximadamente três anos, a Doutora Vitória, que fazia o acompanhamento médico de Peter, que na ocasião já não mais estava andando, solicitou apoio da equipe do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do município.
A assistente social, doutora Márcia Gomes, e a psicóloga, doutora Adriana Fátima, passaram então a fazer visitas rotineiras para avaliações constantes do paciente. Durante essas visitas, segundo relatos das próprias profissionais, a psicóloga, doutora Adriana, notou que a cuidadora, senhora Débora, estava também passando por alguns transtornos psíquicos, e que já não teria condições de continuar cuidando de Peter Midkiff.
Em relato de integrantes da equipe do CRAS, a coordenação então buscou orientações com a irmã de Peter Midkiff, a senhora Susan Anne Midkiff, que mora no estado norte americano da Flórida, e que sempre deu respaldo moral e financeiro para que seu irmão tivesse toda atenção e cuidados médicos, visto que ela estava impossibilitada de vir ao Brasil para cuidar de perto do irmão, pelo fato de o mundo estar em um dos piores momentos da pandemia da Covid-19 naquele momento, e ela, com 72 anos, e o marido, com 87 anos, não tinham como fazer essa viagem por razões óbvias.
Susan Anne enviou recursos financeiros para que a então cuidadora Débora pudesse viajar de volta para sua terra natal, São Paulo, e lá, junto de seus familiares, pudesse fazer seu tratamento de saúde. Susan Anne enviou recursos suficientes para que um amigo de Débora viesse de São Paulo buscá-la, para o tratamento inicial de Débora, e também para contratação de uma nova cuidadora para Peter.
A partir desse momento Peter Midkiff ficou sob a atenção da nova cuidadora, senhora Maria, da equipe de Assistentes Sociais do CRAS, da doutora Vitória e da enfermeira Lara, ambas do PSF municipal, e da doutora Andréia, médica contratada pela senhora Susan Anne, que fazia visitas semanais ao paciente Peter Midkiff.
No inicio do mês de outubro de 2020, em uma de suas visitas assistenciais, a equipe coordenadora do CRAS notou que Peter Midkiff estava ainda mais debilitado, e após reunião entre todas as pessoas envolvidas em sua assistência, acharam por bem interna-lo no hospital municipal Gumercindo Barbosa, para que pudesse tomar, além dos medicamentos habituais, soro e oxigênio.
Durante sua internação, a equipe coordenadora do CRAS, que mantinha frequentes e constantes contatos com a irmã de Peter, senhora Susan Anne, a comunicou que no retorno para casa, Peter Midkiff precisaria de cuidados ainda mais especiais, indicando a ela um serviço de home care, que ficaria em valor bastante elevado, no que, segundo os coordenadores, Susan Anne autorizou a contratação, lhes dizendo que “dinheiro não é problema nessa situação, o que quero é que meu irmão fique bem e seja bem cuidado”.
Como Peter precisou continuar internado, Susan Anne autorizou a compra de colchão especial para ele, devido aos ferimentos das escaras de decúbito, e também alugou um oxímetro, aparelho que não tinha no hospital a época, afirma uma integrante da equipe de assistentes sociais que o acompanhava.
Enfim, conforme a farta documentação avaliada, todas as médicas, enfermeiras, equipe de Assistentes Sociais do CRAS e a cuidadora, senhora Maria, com anuência e supervisão da senhora Susan Anne, tudo fizeram, e da melhor forma, para que Peter Midkiff tivesse e recebesse cuidados e carinho durante sua enfermidade.
Infelizmente, no dia 28 de outubro de 2020, Peter Christopher Midkiff fez sua passagem para o mundo superior, após, com muito louvor, ter combatido o bom combate no planeta em que ele defendeu as forças da natureza com muita garra e competência.
A causa da morte, comprovada nos relatórios médicos e registrada na Certidão de óbito, assinada pelo doutor Danilo Coelho, foi Alzheimer, Acidente Vascular Cerebral (AVC), Sepse, seguido de novo Acidente Vascular Cerebral.
Em respeito a história e todo o comprometimento de Peter Midkiff com Alto Paraíso de Goiás, o então prefeito Martinho Mendes da Silva decretou luto oficial de três dias no município.
Boatos e acusações
Ainda com o peito dilacerado pela dor da perda de seu irmão, Susan Anne Midkiff ainda teve que sofrer com os ataques provocados por um pequeno grupos de pessoas, que, segundo prints enviados a redação do Jornal O VETOR, antes mesmo da morte de Peter, já vinham denunciando, sem provas médicas ou policiais, baseados apenas em suas deduções, que ele vinha sofrendo maus tratos por parte da cuidadora Débora, e que estava abandonado pela família, no caso, a irmã, Susan Anne.
As acusações não se limitaram as redes sociais, o pequeno grupo fez denúncia na Delegacia de Policia Civil de Alto Paraíso de Goiás, e o caso chegou a embaixada norte americana no Brasil.
O jornal O VETOR teve acesso a todos os relatórios médicos do paciente Peter Christopher Midkiff, aos depoimentos de médicos, enfermeiros, da cuidadora Maria e de todos os integrantes da equipe de assistentes sociais do CRAS na investigação feita pela Policia Civil, posteriormente enviada ao Ministério Público Estadual, onde constam, sem sombras de dúvidas, que Peter Midkiff jamais sofreu qualquer tipo de maus tratos e muito menos teve, em momento algum, abandono assistencial ou moral por parte da família.
A reportagem também constatou que, na semana em que o grupo acusa ser uma das vezes que Peter Midkiff sofreu maus tratos, foi exatamente a semana em que a doutora Andréia, em sua visita semanal, havia feito curativos nas escaras que afligiam o paciente, e que a equipe do CRAS, segundo confirma integrantes da coordenação, constataram ferimentos nas pernas de Peter, e verificaram terem sido arranhões feitos por um cãozinho filhote, que sempre vinha brincar junto a cama do paciente.
Todos os esclarecimentos foram dados também a embaixada americana no Brasil, que, após verificados os fatos, elogiou o trabalho realizado pela equipe da Assistência Social, na pessoa da coordenadora Adna Bernardes, das doutoras Márcia Gomes e Adriana Fátima, que se estendeu à todos da equipe e também às médicas e enfermeiras que trabalharam pelo bem estar do paciente Peter Midkiff.
“O que posso afirmar, sem qualquer dúvida, é que, desde que fomos acionados pela doutora Vitória, demos toda e melhor assistência ao senhor Peter Midkiff, assim como fizemos com todas as pessoas que nos procuraram enquanto estávamos à frente do CRAS. Para isso, tivemos todo o apoio e respaldo da Secretária da Rede de Proteção Social, Maiuza Leite, e também do prefeito Martinho Mendes. Quero aqui dizer, do fundo do meu coração, que a senhora Susan Anne Midkiff, com quem, como coordenadora do CRAS, passei a falar frequentemente, tudo fez por seu irmão, para mantê-lo bem durante todo o tratamento, e também após sua morte. Susan Anne enviou recursos para todas as despesas de Peter durante o tratamento, e também para o seu enterro. Sou testemunha disso, e vi, na videoconferência que fizemos durante o velório, sua emoção e dor pela morte do irmão. Já testemunhei isso em todos os relatórios e depoimentos e volto a afirmar, o senhor Peter Midkiff nunca sofreu maus tratos, nunca foi abandonado pela irmã. O acompanhei durante os seus últimos três dias de vida no hospital, e sei que seu descanso eterno foi feito em paz, com muita tranquilidade” esclarece Adna Andréia Bernardes Rabelo, coordenadora do CRAS a época e uma das pessoas que acompanharam de perto toda essa trajetória da doença e morte de Peter Christopher Midkiff.
Susan Anne visitou o irmão no Brasil pela última vez em 2017, quando puderam mostrar todo o afeto que nutriam um pelo outro. Fotografias tiradas na época mostram a alegria de estarem juntos estampada no rosto de ambos.
Como procuradora, com pleno poderes, e única herdeira de Peter Midkiff, Susan Anne está aguardando a finalização do processo de inventário para oficializar a doação do imóvel, onde Peter morava, para uma entidade que está sendo criada. Ali será construído o memorial Peter Christopher Midkiff, e um espaço cultural para dar assistência a crianças e adolescentes, com aulas sobre o meio ambiente, escola de música e várias outras atividades culturais.
Segundo informações passadas ao Jornal O VETOR, foi apresentado Projeto na Câmara de vereadores de Alto Paraíso de Goiás para que a Casa dos Conselhos passe a se chamar Casa dos Conselhos Peter Christopher Midkiff.